Aula de Religião
Resposta - Qual das religiões do mundo confere a seus seguidores maior felicidade? Enquanto dura, a religião da auto-adoração é a melhor.
Quer saber quem disse isso? Aqui.
NOLI FORAS IRE, IN TE REDI, IN INTERIORE NOMINE HABITAT VERITAS - Santo Agostinho Sobreviver é escolher, escolher é renunciar - Olavo de Carvalho
Esta tentativa de descrição psicológica e explicação psicopatológica dos traços típicos com que a estada mais demorada no campo de concentração marca a pessoa parece dar a impressão de que, afinal de contas, a alma humana é clara e forçosamente condicionada pelo ambiente. Na psicologia do campo de concentração, é precisamente a vida ali imposta, e que constitui um ambiente social todo peculiar, que determina, ao que parece, o comportamento da pessoa. Com razão se poderão levantar objeções e perguntar: “Onde fica a liberdade humana?” Não haveria ali um mínimo de liberdade espiritual no comportamento, na atitude frente às condições ambientais ali encontradas? Será que a pessoa nada mais é que um resultado de múltiplos determinantes e condicionamentos, sejam eles de ordem biológica, psicológica ou social? Seria a pessoa apenas o produto aleatório de sua constituição física, da sua disposição caracterológica e da sua situação social? E, mais particularmente, será que as reações psíquicas da pessoa a esse ambiente socialmente condicionado do campo de concentração estariam de fato evidenciando que ela não pode fugir às influencias desta forma de existência às quais foi submetida à força? Precisa ela necessariamente sucumbir a essas influências? Será que ela não pode reagir de outro modo às condições de vida reinantes no campo de concentração?
Podemos dar resposta a essa pergunta, tanto baseados na experiência, como em caráter fundamental. A experiência da vida no campo de concentração mostrou-nos que a pessoa pode muito bem agir “fora do esquema”. Haveria suficientes exemplos, muitos deles heróicos, que demonstraram ser possível superar a apatia e reprimir a irritação; e continua existindo, portanto, um resquício de liberdade do espírito humano, de atitude livre do eu frente ao meio ambiente, mesmo nessa situação de coação aparentemente absoluta, tanto exterior quanto interior. Quem dos que passaram pelo campo de concentração não saberia falar daquelas figuras humanas que caminhavam pela área de formatura dos prisioneiros, ou de barracão em barracão, dando aqui uma palavra de carinho, entregando ali a última lasca de pão? E mesmo que tenham sido poucos, não deixou de constituir prova de que no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. E havia uma alternativa! A cada dia, a cada hora no campo de concentração, havia milhares de oportunidades de concretizar esta decisão interior, uma decisão da pessoa contra ou a favor da sujeição aos poderes do ambiente que ameaçavam privá-la daquilo que é a sua característica mais intrínseca – sua liberdade – e que a induzem, com a renuncia à liberdade e à dignidade, a virar mero joguete e objeto das condições externas, deixando-se por elas cunhar um prisioneiro “típico” do campo de concentração.
A partir deste último ponto de vista, também a reação psíquica dos internados nos campos de concentração, em ultima analise, somente pode ser interpretada como algo mais que mera expressão de certas condições físicas, psicológicas e sociais – por mais que todas elas, seja a falta de calorias, seja a deficiência de sono, sejam os mais diversos “complexos” psíquicos, pareçam sugerir que a decadência da pessoa esteja vinculada à lei normativa de uma psique típica do campo de concentração. Aquilo que sucede interiormente com a pessoa, aquilo em que o campo de concentração parece “transformá-la”, revela ser o resultado de uma decisão interior. Em princípio, portanto, toda pessoa, mesmo sob aquelas circunstancias, pode decidir de alguma maneira no que ela acabará sendo, em sentido espiritual: um típico prisioneiro de campo de concentração, ou então uma pessoa humana, que também ali permanece sendo ser humano e conserva sua dignidade.
Dostoievsky afirmou certa vez: “Temo somente uma coisa: não ser digno do meu tormento.” Essas palavras ficavam passando muitas vezes pela cabeça da gente quando se ficava conhecendo aquelas pessoas tipo mártir, cujo comportamento no campo de concentração, cujo sofrimento e morte testemunham essa liberdade interior última do ser humano, a qual não se pode perder.sem duvida, elas poderiam dizer que foram “dignas dos seus tormentos”. Elas provaram que, inerente ao sofrimento, há uma conquista, que é uma conquista interior. A liberdade espiritual do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe, até o último suspiro, configurar a sua vida de modo que tenha sentido. Pois não somente uma vida ativa tem sentido, em dando à pessoa a oportunidade de concretizar valores de forma criativa. Não há sentido apenas no gozo da vida, que permite à pessoa realizar valores na experiência do que é belo, na experiência da arte ou da natureza. Também há sentido naquela vida que – como no campo de concentração – dificilmente oferece uma chance de se realizar criativamente e em termos de experiência, mas que lhe reserva apenas uma possibilidade de configurar o sentido da existência, e que consiste precisamente na atitude com que a pessoa se coloca face à restrição forçada de fora sobre seu ser. Faz muito que o recluso está privado de realizar valores criativos. Mas não se encontra sentido apenas na realização de valores de criação e de experiência. Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas, o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo.
A maioria se preocupava com a questão: “Será que vamos sobreviver ao campo de concentração? Pois, caso contrario, todo esse sofrimento não tem sentido.” Em contraste, a pergunta que me afligia era outra: “ Será que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois, caso contrário, não faz sentido sobreviver ao campo de concentração.” Uma vida cujo sentido depende exclusivamente de se escapar com ela ou não e, portanto, das boas graças de semelhante acaso – uma vida dessas nem valeria a pena ser vivida.
Em busca de sentido, pp
Tradução: Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline.