Saturday, January 14, 2006

Recuperação da vida da Razão e suas deformações modernas - (Parte 1)

Eric Voegelin

O desdobramento da consciência noética na psique dos filósofos clássicos não é uma “idéia” ou uma “tradição”, mas um evento na história da humanidade. Os símbolos desenvolvidos no seu curso são “verdadeiros”, no sentido de que articulam, de modo inteligível, a experiência de inquietação existencial no processo de tornarem-se luminosos à cognição.

Embora a análise clássica não seja a primeira nem a última simbolização da humanidade do homem à procura de sua relação com o fundamento divino, ela é a primeira que articula a estrutura da busca mesma: da ansiedade que oferece a resposta ao questionamento, do Nous divino como indutor da busca, da alegria da participação luminosa quando o homem responde à teofania, e da existência tornando-se luminosa cognitivamente por seu significado como movimento na metaxy da mortalidade à imortalidade.

A articulação da estrutura foi tão bem sucedida que mesmo a revolta egofânica moderna contra a constituição teofânica da humanidade do homem tem de usar a linguagem da análise noética se quiser ser inteligível, confirmando, desse modo, a solidez da articulação daqueles filósofos.

Verdadeiros insights acerca da Razão como força ordenadora na existência foram, certamente, obtidos; mas tiveram de ser obtidos como exegese da resistência do filósofo à desordem pessoal e social da época, e que ameaçavam engoli-lo. Separar a “verdade” da compreensão do esforço de resistência seria absurdo para um insight dentro da estrutura intermediária¹ da existência.

A vida da Razão não é uma informação valiosa para ser guardada e resgatada depois, ela é a luta na metaxy pela ordem imortalizante da psique contra as forças mortalizantes da ânsia apeirôntica de ser no Tempo. A existência na participação entre o divino e o humano, entre perfeição e imperfeição, entre razão e paixões, entre conhecimento e ignorância, entre imortalidade e mortalidade, não é abolida quando torna-se luminosa a si - mesma. O que mudou por meio da diferenciação da Razão foi o nível de consciência crítica em relação à ordem da existência.

Os filósofos clássicos estavam conscientes dessa mudança como um evento memorável; estavam plenamente atentos às funções educacionais, de diagnóstico e terapêuticas de suas descobertas; e lançaram as fundações da psicopatologia crítica que mais tarde seria elaborada pelos estóicos. Não podiam prever, contudo, as vicissitudes às quais suas realizações seriam expostas quando adentrassem a história e se tornassem fator integrante nas culturas das sociedades helênicas, cristãs, islâmicas e nas modernas sociedades ocidentais.

Não podiam prever a incorporação da filosofia em diversas teologias revelatórias, nem a transformação da filosofia em metafísicas proposicionais. Acima de tudo, não podiam prever a separação radical do simbolismo noético que haviam criado a partir do contexto experiencial, de modo que o vocabulário filosófico estivesse livre para dotar de aparência de Razão o ataque à Razão.

A dinâmica da resistência dos filósofos clássicos moveu-se da deteriorização do mito cosmológico e da revolta sofística em direção ao “amor pela sabedoria”. Eles não antecipavam um futuro distante no qual a revolta egofânica pervertesse o significado dos símbolos noéticos, a extensiva degradation des symboles como chamou Mircea Eliade esse fenômeno moderno, de modo que a dinâmica da resistência tivesse de se deslocar de um sistema de pensadores em estado de alienação em direção, novamente, à consciência noética.

Expor os insights clássicos como relíquias doxográficas não seria apenas inútil, mas destruiria seu significado de expressão da resistência humana à desordem mortalizante da época. Para a vida da Razão manter-se viva, não só os insights devem ser lembrados, mas também a resistência contra o “clima de opinião” (Whitehead) deve ser continuada.

1- In-Between, é o termo utilizado por Voegelin para representar a experiência da existência humana entre o divino e o mortal, a metaxy platônica. Participação.

Tradução: E. Santiago

CW VOL 12,
Reason: The Classic Experience
Appendix

pp 287-289.

G. K. Chesterton - Citações


“Falácias não deixam de ser falácias por terem ficado famosas” - ILN, 4/19/30

“Imparcialidade é um nome pomposo para indiferença, que é um nome elegante para ignorância” - The Speaker, 12/15/00

“O reformista está sempre certo sobre o que está errado e está geralmente errado sobre o que está certo.” - ILN 10-28-22

“Os homens inventam novos ideais por não se atreverem a tentar os antigos. Olham para frente com entusiasmo, pois temem olhar para trás.” - What's Wrong With The World, 1910

Uma história de detetive geralmente descreve seis homens discutindo como um outro foi morto. Numa história filosófica moderna geralmente seis mortos discutem como todo homem pode estar vivo.” - A Miscellany of Men

“Um verdadeiro soldado luta não porque odeia o que está na sua frente, mas porque ama o que deixou para trás. - ILN, 1/14/11

“Uma vez que Deus tenha sido abolido, o governo torna-se Deus.” - Christendom in Dublin, 1933

Tradução: E. Santiago