Romantismo (1836-1875)
J. G. Merquior
Romantismo foi o estilo que prevaleceu, nas letras nacionais, do final da Regência até os primeiros anos subseqüentes à guerra do Paraguai. Logo, cobre o inicio e o apogeu do Segundo Reinado, período em que a velha sociedade senhorial conhece o seu último grande surto de desenvolvimento. Por outro lado, o romantismo foi a primeira grande resposta estética da cultura ocidental às duas realidades que marcam o advento da fase propriamente contemporânea dos tempos modernos: a Revolução Industrial e a revolução social, inaugurada pela Revolução Francesa de 1789. Nessa qualidade de primeiro grande estilo da era contemporânea, o romantismo representou uma ruptura profunda com o universo mental da arte anterior. Romântico vem de “romance”, no sentido de história “interessante”, pitoresca, fantástica, extravagante. Novalis, grande poeta do romantismo alemão, queria que a poesia fosse uma “arma de defesa contra o cotidiano”. Reação à prosa da vida, ao aburguesamento dos valores, o romantismo ficaria estigmatizado pela nostalgia dos paraísos perdidos.
O fundo sociológico contra o qual se formou o romantismo europeu inexiste, evidentemente, no Brasil do meio do século XIX. O romantismo brasileiro, beneficiando-se da institucionalização da atividade literária pelo neoclassicismo da independência, buscou sincronizar a literatura do Brasil com o ritmo evolutivo da arte européia. Por outro lado, ele também se empenhou em conferir um conteúdo nacional à estética romântica. Se o neoclassicismo fora a primeira fase ideologicamente articulada das letras brasileiras, o romantismo foi sua primeira articulação nacional: o nosso primeiro sistema literário não só dotado de consciência ideológica, como de uma consciência programática da sua brasilidade.
O êxito da nacionalização da estética romântica deve-se ao seu próprio historicismo e à coincidência entre o romantismo e a época de fundação nacional dos países latino-americanos. No caso do Brasil, a consolidação da nacionalidade se identificou com o esforço centralizador do Império, empreendido pelas oligarquias rurais.
Esse período de afirmação nacional necessitava, ao nível da cultura de suas elites, de um complexo mitológico suscetível de celebrar a originalidade da jovem pátria ante a Europa e a ex-metrópole. Nesse ponto, entram em função o exotismo romântico e o gosto pelo passado remoto: a sociedade tribal ameríndia de antes da descoberta era, de fato, a nossa “Idade Média”. O indianismo é, assim, descoberto pelos românticos, como alimento mítico reclamado pela civilização imperial, na adolescência do Brasil Nação. O amparo que o mecenato oficial deu à épica indianista traduz o reconhecimento dessa função ideológica. Além disso, utilizando-se de gêneros menos “nobres” e mais populares do que o repertório neoclássico, a literatura romântica manteve-se permeável à criação folclórica e à subliteratura, isso numa sociedade pouco livresca e escassamente letrada. Por meio dessa “porosidade” cultural, a produção romântica entrou nos costumes e, face aos estilos dos seus sucessores, estava ao alcance intelectualmente pouco elevado d estudantes e sinhás. O enraizar-se do romantismo representou o triunfo da oralidade na literatura: o predomínio da experiência da palavra falada sobre o hábito sistemático da leitura reflexiva.
Em sua ultima fase, o romantismo brasileiro trocou a mística indianista, ideologia formativa de cunho conservador, pela militância liberal. Esta evolução é expressa na passagem de Gonçalves Dias e José de Alencar para Castro Alves. Mas quando essa conversão liberal se verificou, o romantismo já havia realizado a sua mais bela conquista: a instauração de uma língua literária brasileira. A nacionalização estética almejada pelos românticos sobreviveu, no plano essencial do idioma literário, aos próprios modelos da escola. No Brasil, desde o romantismo, fala-se português, mas não se escreve à portuguesa. Pois só numa língua poética nacionalizada a literatura conseguiria atualizar o seu potencial de interpretação da realidade humana numa perspectiva autenticamente brasileira.
Todavia, esse potencial de interpretação crítica da experiência humana, o nosso romantismo só o utilizou muito moderadamente. É que os românticos brasileiros não dispunham dos estímulos socioculturais que lhe serviam de base, e o romantismo Ocidental foi um movimento de crítica da civilização, de protesto cultural. Em conseqüência, o conjunto da nossa produção romântica permaneceu, filosófica e psicologicamente, num plano mais superficial, mais conformado às convenções burguesas: a consciência do nosso romantismo foi, bem mais que crítica, uma consciência ingênua. Considerada globalmente, a literatura romântica do Brasil se aproxima mais da estética aburguesada e oficial do meio século – da literatura vitoriana de Tennyson e Longfellow – do que do ímpeto culturalmente inconformista do romantismo de Novalis, Wordsworth, Byron, Keats e Nerval.
Texto extraído e adaptado do livro De Anchieta a Euclides – Breve História da Literatura Brasileira.Cap. III, pág.
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