A Cultura Adversária
Nas últimas três décadas ou mais, muitos dos principais formadores de opinião nas nossas universidades, na mídia e no meio artístico consideravam a cultura ocidental, quando muito, como algo do qual deviam sentir vergonha ou, na pior das hipóteses, como algo ao qual deviam se opor. Antes da década de 60, quando os intelectuais ocidentais refletiam nas conquistas de longo prazo de sua cultura, eles as explicavam nos termos da própria evolução dessa cultura: a herança da Grécia Antiga, de Roma e do Cristianismo, temperados pela Renascença, pela Reforma, pelo Iluminismo e pelas revoluções industriais e cientificas. Mesmo uma critica radical como a do marxismo era basicamente um assunto interno, decidida a realizar o que se imaginava ser o destino do Ocidente e a conduzir sua história ao que consideravam um nível mais levado.
Hoje, contudo, esse pensamento é recusado pela intelligentsia reinante como triunfalista. O domínio político e econômico do Ocidente é, com mais freqüência, explicado não por sua dinâmica interna, mas por seu comportamento exterior, em especial sua rivalidade e agressão para com outras culturas. O sucesso ocidental ocorreu pretensamente às expensas de outras culturas. Em vez de insistir em revoluções ou revoltas internas, esse novo radicalismo constitui uma esmagadora crítica negativa à civilização ocidental em si. .
De acordo com essa ideologia, em lugar de tentar globalizar seus valores, o Ocidente deveria permanecer em seu próprio espaço cultural. Valores como direitos humanos universais, individualismo e liberalismo são considerados como meros produtos etnocêntricos da historia ocidental. O saber cientifico produzido pelo Ocidente é apenas um entre os muitos “modos de saber”. Para substituir o universalismo ocidental, essa critica oferece o relativismo cultural, um conceito que considera o Ocidente não como o fastígio da cultura humana, mas simplesmente como um sistema cultural entre muitos outros igualmente válidos.
Para o relativismo cultural não existem padrões capazes de avaliar a cultura humana. Todas as culturas, portanto, devem ser consideradas iguais, conquanto sejam diferentes. Ele aparece em duas versões: soft e hard.
A versão soft prevalece hoje na estética. Quem freqüentar um curso universitário sobre critica literária ou história da arte descobrirá que os padrões tradicionais já não mais se aplicam. A Ópera italiana não pode mais ser considerada superior à chinesa. O teatro de Shakespeare não foi melhor que o de Kabuki, apenas diferente.
A versão hard vem das ciências sociais e dos estudos culturais. Costumes culturais dos quais muitos ocidentais instintivamente se esquivariam estão agora de acordo com sua integridade, para não rebaixar a cultura que os produziu.
Por exemplo, embora as feministas ocidentais tenham achado um dia a misoginia explícita de algumas culturas tribais desagradável, nos anos recentes elas tomam como respeitáveis algumas práticas que antes condenavam. Feministas acadêmicas agora negam que a incineração de viúvas, ou sutte, seja um costume bárbaro. O estudioso e teórico da cultura indo-americana, Gayatri Chakravorty Spivak, coloca a prática do sutte numa ilustre posição dentro da cultura indígena, comparando-a à tradição cristã do martírio. Outrora as feministas denunciavam a remoção cirúrgica do clitóris de mulheres islâmicas como uma mutilação da genital feminina. Há pouco, redefiniram o procedimento como sendo uma “incisão” genital, procedimento que para o crítico de arte e literatura Germaine Greer deve ser reconhecido como manifestação autêntica das mulheres islâmicas afetadas.
De modo análogo,
É obvio que algo de muito errado está ocorrendo. A lógica do relativismo conduz os acadêmicos ocidentais para águas turvas. Eles agora estão dispostos a aprovar costumes obviamente cruéis, desumanos e que repudiam a vida, costumes que transgridem tudo o que alegam defender.
Para compreender o quanto essas suposições tornaram-se decadentes, basta comparar o relativismo de hoje com a atitude que prevalecia quando do predomínio cultural britânico. Sir Charles Napier, comandante britânico na Índia de
Vocês dizem que queimar viúvas é um costume de vocês. Muito bem. Nós também temos um costume: quando homens ateiam fogo a mulheres vivas, nós amarramos uma corda em volta dos pescoços desses homens e os enforcamos. Construam a sua pira funerária, e ao lado desta meus carpinteiros construirão uma forca. Vocês podem seguir seu costume. Mas então nós seguiremos o nosso.
O conjunto moral do relativismo cultural é um apelo à tolerância e ao respeito para com outras culturas, não importa o quanto desconfortável possamos ficar com suas crenças e práticas. Há, todavia, uma cultura que se faz notar pela ausência disso tudo. O pedido por aceitação e compreensão não se estende à cultura ocidental em si, cuja história é vista como pouco mais que um crime contra o resto da humanidade. O Ocidente não pode julgar outras culturas, mas deve condenar a si mesmo.
Desde os anos 60, historiadores acadêmicos de esquerda têm-se esforçado em gerar um amplo cinismo sobre a natureza das democracias ocidentais, com o objetivo de solapar a habilidade destas em dispor de lealdade e de questionar sua legitimidade. Permitam-me demonstrar algumas situações nas quais as histórias nacionais e imperiais são usadas para denegrir a cultura e a sociedade do ocidente, assim como para dotar algumas nações, principalmente as que descendem da Grã-Bretanha, de uma identidade histórica da qual elas só podem se envergonhar.
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